sábado, 30 de janeiro de 2010

Se houver destino, não há pecado?; se tudo estiver escrito, não há pecado?

SE HOUVER DESTINO, NÃO HÁ PECADO?; SE TUDO ESTIVER ESCRITO, NÃO HÁ PECADO?




Difícil, não? Ele há coisas que nos fazem pensar que sim, que tudo está escrito; que nos limitamos a representar a Obra! Quando inflectimos, será que não o fazemos porque tal nos é imposto?, porque essa é a rota indelevelmente traçada no nosso livro de bordo, o papel que nos impõe o guião da nossa vida?
Pode ser assim, aliás, creio mesmo que é algo assim, mas não em absoluto! Pois acredito numa dose, difícil ou impossível de quantificar, de livre arbítrio – uma borracha e um lápis. Podemos apagar algumas das palavras do Livro, mesmo algumas páginas. O que está para trás permanece igual, para a frente, o Livro vai ser outro que não o pré definido, pois as consequências das nossas escolhas - das nossas apagadelas, dos nossos escritos -, ainda que limitadas, vão, enquanto causas, modificar sem retorno o desenrolar da acção programada.
De referir que a faculdade de apagar ou reescrever depende em absoluto das reais possibilidades mentais, cognitivas, fisiológicas, materiais de cada ente. Logo, Não será pecador aquele que não tenha real consciência do livre arbítrio, ou aquele que, tendo-a, não possui os meios para levar a cabo a tarefa. Todos os outros, desde que infrinjam a ética, a moral, os preceitos temporais e intemporais, pecam.
Terá Judas pecado? Difícil, não? Ele tinha a Possibilidade, pois diz-nos a História que era homem capaz, mas não seria aquele acto pré-escrito impossível de apagar?... Certo, tenho para mim, é que mesmo pecando, fora perdoado.
Trata-se apenas de uma achega!




Carlos Jesus Gil

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O efeito também é causa

O EFEITO TAMBÉM É CAUSA




Toda a causa tem efeito… melhor: efeitos, pois os mesmos são eles próprios causas, numa infinita sucessão de umas e outros…
Imaginemos a infinidade de efeitos que tem vindo a ter, que sempre terá a causa mais a montante!... Impressionante, não?!
Por outro lado, libertemos a imaginação para a quantidade de causas que levaram a efeito/efeitos mais a jusante, aquele/aqueles que está/estão agora a acontecer… sim, no preciso momento em que está a ler… no futuro, que é já ali; que é acolá; que acontecerá longe… E estes continuarão a ser causas e a ter efeitos que também causarão…
É assim, tenho para mim!




Carlos Jesus Gil

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Causalidade

CAUSALIDADE




Quando eu era puto, era usual, como brincadeira de rua, a recorrência à “ Guerra dos Figos “. Consistia aquela, no arremesso, com quanta força e pontaria tivéssemos, de imberbes figos, duros como a pedra – pois, há aqui um bocadão de exagero, mas, se a intenção é boa, a de realçar a verdadeira eficácia de projéctil que ostenta o figo intragável, quem é que leva a mal? -, um de cada vez – ainda não existiam metrelhadoras para figos, na época -, à tola ou à cara, de preferência olhos, do adversário.
Ora, em um desses famigerados e mui participados pleitos, fora eu atingido, penso que pelo meu primo Luís – como podem depreender, já aqui quando era p’ra malhar malhava-se. Ele havia lá lugar a indulgência de sangue?!... Qual quê?!! -, num dos olhos… não lembro qual.
Danado e envergonhado, claro!, por ser sportinguista e ter que andar uns dias com um olho à Belenenses, pegara eu numa pequena fisga (para nós, funda) com forcada de metal, pequeno elástico de escritório e munições de cobre – pequenos ús talhados em fio de cobre, sobras, ou não, de instalações de casas em construção.
Era, modéstia à parte, um verdadeiro especialista naquela arma… Se o exército onde viria a ingressar anos mais tarde dela fizesse uso, penso que seria hoje um respeitável major ou mesmo tenente-coronel… Enfim!... Chegaram a propor-me carreira de mercenário, mas coisas ilegais não são comigo, de modo que… Bem, com o fim de expurgar a minha frustração, apontara a dita cuja ao olho direito do Manel Afonso, outro dos milicianos lá da rua, o qual, diga-se!, nada tinha a ver com o meu sofrimento, muito pelo contrário, pois até era cabo bastante activo do meu pelotão, o equivalente, hoje, a um estafeta encarregado de percorrer toda a frente de batalha e reabastecer os incansáveis atiradores de munições. Acontece que naquela hora, ainda a quente, com a batalha já terminada e perdida, deu-me, dizia, ora vejam lá!, para apontar o temível ú ao olho direito do manel. Pegando nele, no ú, não no manel, estiquei o elástico, apontei e larguei. Tudo num ápice… Uma fracção de segundo depois, estava o manel aos gritos, aos rebolões, a clamar pela mãe, a dirigir-me impropérios, a apontar para a minha mão esquerda, que segurava a forcada, a mostrar-me os estragos. O caos! O olho, para além de sangrar, desorbitava desavergonhadamente… Nem queiram saber como eu me senti! Ainda pensei pegar numa corda, atá-la ao pescoço e dirigir-me à fábrica de projécteis mais próxima, mas como a ti Anunciação, mãe do ferido, já galgava a rua em dupla acção, a de socorro do filho e a de pôr de rastos a minha mãe, isto sempre com o fito de uma terceira, a de me pôr a unha em cima… Arre!... Malta, foram cá uns ralhos. A mãe do manel com a minha; a minha comigo. Até chegar o táxi que levou o meu amigo, que eu já não sabia se o era, para as urgências, foi um tal espingardar de língua… E eu a remorçar, palavra de honra!
Continuando: trazendo os pais do manel obras em casa, o pó era uma constante inelutável, por mais que os operários varressem ou aspirassem; os móveis, uns por cima dos outros, enfim, tudo de pantanas. Tratado o manel e chegados a casa, alcançam os olhos da ti Anunciação o que nas duas semanas que as obras levavam ainda não tinham alcançado. “ Isto é uma feira; está tudo de pernas p’ró ar; vocês são uns porcos… Pois, quem lhas pagou foram os pedreiros, ou melhor, o chefe destes, por sinal profissional de extrema competência. Este, filho de boa gente, logo se sente. Mais um dueto ralhístico. Omito aqui todo aquele arrazoado, a que à distância assisti, por facilmente imaginável ser e trabalho me poupar. O certo é que, chegado a casa, é a mulher que as sofre… Não, não lhe bate, não é desses o sr. Joaquim pedreiro, mas diz-lhe tantas e tão poucas acerca dos deliciosos – diz-se que a senhora confeccionava aquela manja como poucos… -carapauzitos, charamanecos aqui p’rá gente, jaquinzinhos para uma demografia mais vasta, fritos com arroz de tomate, que a dona Arminda pega na travessa e no tacho e espeta com tudo no balde dos porcos. Cena triste!
No dia seguinte, manhã cedo, era dia da diligente senhora servir em casa do dr. Sarmento, onde duas vezes por semana lavava e passava roupa a ferro. Havia anos que cumpria esta rotina.
Nesse mesmo dia, depois do almoço, mesmo antes de se dirigir ao posto médico onde exercia clínica geral, o dr. Sarmento nota que três dos seus estimados pólos Lacoste apresentavam apreciáveis queimadelas. Valentemente estorricados mesmo na área do crocodilo. Porra, logo aí!... Depressa inferiu que só o ferro poderia ser réu, melhor, a detentora da mão que manobrara o ferro… Não conseguira, o formalista dr., dominar a fúria insurgente, porém nada diria à empregada, pois em tantos anos de causa, nunca nada de semelhante acontecera. Era sempre um asseio. Mas as coisas são mesmo assim, não lhe permitindo a sua consciência descarregar na zelosa funcionária doméstica, ainda mais furioso ficou o aprumado doutor.
Acontece que, nessa mesma tarde, encontrando-me eu com valente diarreia, o que já vinha de há dois três dias, embora mais mitigadamente, daí a minha mãe não ter ido além de uns ralhos comigo, não me ter chegado a roupa ao pêlo “ontem”, aí vou eu com ela – ela comigo, que assim é que foi - ao médico… Quem me atende, quem? O dr. Sarmento, com certeza! Quer dizer, também era o único por lá, né?... De raciocínio absolutamente tolhido, o bom médico, que o era!, não obstante logo se ter apercebido da maleita que me afectava, prescreve-me medicação para a prisão de ventre.
E foi assim que eu acabei por passar, à guisa de pena de prisão por posse e uso de arma proibida, uma semana no hospital, a soro, iogurtes, e “papas não-sei-de-quê”. Todo aquele tempo, só pensei em figos… maduros.




Carlos Jesus Gil