Viver no tempo sem viver o tempo implica uma atitude de absoluta
passividade. O sujeito que está na vida deste modo é como que um passageiro com
passe vitalício mas com destino limitado e circular. É curto o raio da sua
ação, sendo em consequência curto o diâmetro da circunferência que descreve com
os seus curtos passos; para mais, não ousa nunca sair do perímetro, da linha.
Nunca experimenta uma inflexão, fosse ela ao menos para dentro. Confunde-se o
seu local de origem com o de passagem, passagens ou mesmo estadas. Apenas
aquele, o de origem, é de algum modo pensado, e não por ele.
O facto da
posse de um passe assegurado e vitalício, pelo menos enquanto for senhor da
razão, da sua razão, pode levar-nos a crer ser um paradoxo o acima afirmado,
mas será de pequena duração esta hesitação. Pois uma ausência de restrições de
movimentos existe, porém ela é parceira de uma permanência, a da limitação de
horizontes. Um sujeito deste tipo pode - como todos os que podem, todos os que
estão na posse da razão, da sua razão -, pode mas não tem vontade. Esta é-lhe
alheia. Sabe que existe, que é dos conceitos materializáveis mais importantes,
até experimenta, de quando em quando, encontrá-la, mas depressa desiste. É um
sujeito com posses mas sem vontade! É alguém que se deixa conduzir, que não
decide caminhos, rotas, alguém que por norma não faz escolhas. A vida, o
próprio tempo é para este sujeito o decisor, o transporte e o condutor.
Ora, ao
invés, um ser que viva o tempo, é um
sujeito ativo. É ele quem
traça as rotas no mapa, quem o procura, quem aponta para esta ou aquela escala,
quem o estuda, quem o reflete. Pode até nem compreender todos os percursos - e
é isto mesmo que acontece a maior parte das vezes -, pode até nem levar até ao
fim algum dos empreendidos, pode até nem cumprir nenhum, porém atreve-se a
encetar a viagem, mais, tudo faz por ela, pois é para ele fundamental que as coisas tenham sentido, e elas apenas o têm se o seu cérebro e
toda a orgânica que compõe o seu todo material, em conjugação com o que nele é
espiritual empreenderem, não se acomodarem. Para este sujeito o tempo é o
transporte, o veículo, mas é ele quem o conduz. Um sujeito assim viaja de
verdade, na Terra, no Éter, por onde lhe for possível. Faz escolhas, as
possíveis e as impossíveis. Constrói possibilidades ou miragens de
possibilidades. Numas e noutras, construções... a vida!