sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Solidariedade

SOLIDARIEDADE

Faz de conta que eu sou “ um “ Saramago ou “ um “ Philip Roth ou “ um “ Orhan Pamuk… ou “ dois “, vá lá, Paul Auster. Faz de conta, tá? Então, é nesse faz de, e vivendo-me em qualquer deles, que numa tarde qualquer, outonal de preferência, bebendo um café quentinho à mesa de um qualquer café, aquecido de muitos bafos, não das lareira e radiadores caloríficos ausentes, me exercito tentando meter-me na pele de mim próprio a esboçar um texto com cabeça, tronco e membros… ok: com um princípio, meio e fim que não sejam meramente contabilísticos. Vai daí, e como era o tal, optei mesmo por me dizer que rejeito a primeira designação da planificação e parto para a obra com a segunda no consciente. Menos prosaica…muito menos, embora o não possa parecer! Bem - no caso até mal e bem mal, ou melhor, mal e mal mal -, começo por me concentrar na escolha de um tema – pertinente, ousado, que acrescentasse… -, e eis que logo aí surge o primeiro empecilho, qual escolho impedindo o real barcão de continuar a navegação!: nada me merece a pena; tudo é vão, medonhamente vão! Depois, logo depois, dou conta de um segundo: mesmo que o mapa intelectual m’o tivesse revelado, revelei-me na condição de trolha, não de pedreiro. Frustradamente me defrontei com a demolidora realidade de não conseguir usar os tijolos… de - e voltando agora, porque passara a adequada, à primeira designação da planificação – não conseguir desenhar uma cabeça pegada a um tronco a membros pegado. Triste! Muito triste fiquei eu pelo outro… que sou eu! Triste, por notar que aquilo que a mim não exigiria esforço de monta, estava a exigir a mim uma força desusada… não contida. Triste porquanto o mais que eu poderia conseguir seria um tronco… e tosco, quando muito! O domínio da perfeita proporcionalidade que a mim me era tão natural, revelava-se a mim completamente impossível… só capaz de ser sonhado. As partículas do inefável, que por aí pululam à espera de quem as una, eu, por exemplo, teimam em não se me revelar. De modo que ficou, fiquei, ficámos…tristes!




Carlos Jesus Gil