quinta-feira, 6 de agosto de 2015

A Literatura é o Bairro Deles





A Literatura é o Bairro Deles

 
É um cavalo-alado, vejam, é um cavalo-alado! A noite estrelada e aluada traz-nos um cavalo-alado. Vem para aqui, está a chegar. Venham, venham ver o belo animal que nos chega doutro reino. Larguem o que estão a fazer, e cheguem cá. Não quero ser só eu a recebê-lo, desejo partilhar esta memória futura com vocês. Deixem, deixem tudo e venham para aqui. Já aterrou, venham ver. Ena! Mas que grande, tão grande que é o cavalo-alado! Martim, és tu? Olha-me para este animal encantador! Repara-me nestas asas, tão grandes, são maiores do que as de alguns aviões. Malta, é um cavalo-alado, aqui na praça está um cavalo-alado, e vem montado. Vem montado, o cavalo-alado, não vem sozinho. Tem frio, meu senhor? É noite e está frio, quer entrar ali no café?... Martim, ele não diz nada, será que não me entende? Senhor, quer tomar uma bebida quente ali no café?... Nada, não diz nada. Talvez esteja a pensar no cavalo, onde deixá-lo, já reparou que não cabe na porta do café. Senhor, o animal pode ficar ali na garagem do meu pai. Martim, por que estás tão calado? E onde está todo o pessoal do bairro, não gostam de ver cavalos-alados? Se calhar vêem-nos muitas vezes, talvez seja por isso, mas eu, juro-te, é a primeira vez que estou ao pé de um… E do montador… Olha que roupa tão, sei lá, tão adequada à montada! Onde terá ido comprá-la? Se calhar não quer entrar no café e beber uma bebida quente porque não tem frio nenhum. A roupa não deixa o dono ter frio… nem molhar-se, se chover…. Mas então, que quererá ele, Martim? Por que veio cá? “ Menino Rui, venho da parte da Literatura. Quer o Conselho dos Fazedores daquela que eu vos entregue esta missiva. Escolheram o vosso bairro, como antes escolheram outros, e a demanda não terá fim. Gostariam imenso que mudassem de residência, não que esta não seja digna, mas tão só porque sabem que algumas pessoas é como se não tivessem sido paridas, se não se afastarem da parteira… da parteira, não da mãe. Tu e o teu amigo são desse raro tipo. É por isso que ninguém mais nos veio ver. Nem sequer te ouviram chamar por eles, apenas o teu amigo. Somente vocês, de entre todos os do bairro, vão entender esta folha. É uma simples folha, duas páginas. Compreenderão que não poderia trazer-vos menos que duas páginas. Vocês, só vocês e mais uns poucos em mais uns poucos bairros já visitados, se encontram capazes. A Literatura é o vosso bairro. Eles sabem!”. Senhor, entregue-nos então a folha, por favor! “ É para já, menino Rui. Pega. Leiam-na juntos. Depois, com tempo e muitas noites e dias de permeio, façam pela causa. Chega aqui, pega!”… Martim, está em branco! Mas, senhor, está em branco!
O montador, já em cima da montada, sorriu e disse: “Está tudo aí. Vocês vão ver!”.

           O cavalo relinchou, depois, usando primeiro as patas e logo a seguir as asas, levou para longe no Céu estrelado e aluado o mensageiro do reino das Palavras.