sábado, 15 de março de 2008

O Dinis era apenas mais um

O DINIS ERA APENAS MAIS UM



Assim como quem não quer a coisa mas a deseja veementemente, Dinis Afonso todos os dias passava pela Pastelaria. Bem, nem de desejo se tratava, isto para sermos sinceros, era, isso sim, uma necessidade vital. Pois, uma questão de vida ou de morte… Em abono da verdade, se perguntado lhe fosse, Dinis Afonso não poderia responder de outra forma que não esta: sim, vou cinco dias por semana à Pastelaria XPTO; estou até a par da escala de serviço; vou mesmo sem fome; mesmo sem sede nem necessidade de café…, porque também nos alimentamos e respiramos pelos olhos, sabiam?
Dinis Afonso Trincheira da Silva era, não julguemos o contrário, uma pessoa absolutamente normal. Um pouco tímido, talvez, mas absolutamente normal. O facto de ser um indefectível da XPTO, de conhecer os horários de trabalho dos funcionários, de, não raro, poder ter que percorrer mais de trinta quilómetros para o seu saboroso lanche visual, não o tornava um indivíduo fora da linha. Não, fora produzido, criado e moldado como os demais; adquiria e processava a informação como todos os outros.
Dois dias por semana. Dinis Afonso sabia à partida que pelo menos em dois dias por semana lhe era vedado o deleite.
… Bem, este pequeno resumo do relatório elaborado pelo psicanalista a quem, por auto – recriação, Dinis Afonso recorrera a dada altura, e a que eu de modo fraudulento tivera acesso, não passa disso mesmo, da avaliação profissional de um técnico de saúde mental. O facto, sabemo-lo hoje, é que o nosso amigo, vistas melhor as coisas, exorbitava o suficiente para poder aceder ao alienado mundo dos fora da linha. Então não é que, mesmo na posse da noção de que se encontrava ali, livre de rótulos e certidões e doutras “obrigatórias” descrições, o seu mais absolutamente necessário nutriente, ele por, chamemos-lhe, como antes, timidez, se dirigia a outra montra, a outra caixa registadora, vivendo conscientemente uma congestão diária, sem sequer fazer uso do seu direito moral e legal de solicitar uma amostra do que bem sabia ser o seu elixir?!... Contentava-se com uns fugazes minutos semanais de contemplação in situ e umas largas horas de nocivo platonismo.
… Medonha, a possibilidade de um não!

O Dinis era um fora da linha.
Será que sim?

quinta-feira, 13 de março de 2008

Parabéns Sporting

Sporting 1 - Bolton 0. Parabéns Sporting. Até pelos 3 pontos para o ranking.

terça-feira, 11 de março de 2008

Fuga Recorrente

FUGA RECORRENTE


Regresso muitas vezes ao tempo de jogar às escondidas
Ao tempo em que jogar às escondidas era um jogo
Ao tempo de andar descalço
Quando pão com manteiga era verdadeira iguaria

Compreendia melhor a linguagem da Terra, naquele tempo
Habituei-me a lidar com ela e com o que dela vinha
De cedo esta empatia
A necessidade exigia

Era também o tempo de jogar ao botão
Na estação do botão jogava-se ao botão
Na do pião era este que reinava
Era assim naquele tempo

Era o tempo das coisas da escola
Chatas, quantas vezes
Mas sempre, sabemo-lo mais tarde, geradoras de boas recordações
O tempo dos alicerces

Era o tempo do ingénuo desobedecer
Também do desobedecer sonso
O tempo das incompreendidas palmadas de crescimento e
Das guerras logo sanadas

Das guerras logo sanadas

E é por isto
Só por isto
Por as guerras não serem logo sanadas
Que recorrentemente regresso àquele tempo



Carlos Jesus Gil