quinta-feira, 4 de junho de 2009

O empréstimo

O EMPRÉSTIMO

A conversa já durava há bué. No seu moderno gabinete, daqueles à vista de todos mas sem quase nada dar a ver a todos, que o segredo ainda continua a ser a alma do negócio, eles é que arquitectonicamente nos querem fazer ver que não… que já era!, a gerente de agência, depois de esgotada a real complacência recorrera a uma não menos tangível, se ao esforço de aceitarmos o termo nos quisermos dar, displicência, logo seguida do uso e abuso, que o foi, convenhamos!, de eufemismos como forma de caracterizar as posses e a idoneidade, e aquelas têm muito a ver com esta, sim…têm!, do jovem senhor Manuel Arraia Mexilhão.
“ Quando for grande quero ser banqueiro”, dizia ele, visivelmente consternado. “ O senhor quer dizer bancário, não é?”, indagava, presunçosa, a bem- vestida-bancária. “Não, banqueiro! Banqueiro, porra!”, reiterou com acrescento, Arraia Mexilhão, ao mesmo tempo que desferia forte golpe de punho cerrado no tampo da pomposa secretária, donde, num simultâneo arrepiante - terá uma coisa tido a ver com outra?!... hummm! -, caía um elegante, esbeltíssimo monitor de computador. Ainda mais arrepiante foi notar, e notou-o quem lá não estava mas germinou o relatado, que também no mesmo segundo toda a clientela e concolaboradores da dita senhora, em todas as secções, se deitava instintivamente - de barriga pr’a baixo, está claro!, - no chão… Andaram na tropa, tenho a certeza!... Só depois de, a medo, dirigirem uma espreitadela ao local do “crime”, é que paulatinamente lá se vão levantando e continuando as suas diligências. A senhora do gabinete, essa continuava como se nada fosse com ela. Serenamente - pareceu-me -, lá esperançou o senhor Mexilhão da possibilidade de daí a uns tempitos até ser possível o pretendido… E ele lá seguiu o seu caminho sem dar estranheza às algibeiras nem gasto a tinta de esferográfica.
Afinal, agora que a frio penso nisso, tão somente quisera a figurísima senhora-bem- vestida firmar a justiça da decisão e afirmar o formal poder que lhe fora conferido! Não?... Sabe-o tão bem, Arraia Mexilhão!




Carlos Jesus Gil

terça-feira, 2 de junho de 2009

A entrevista

A ENTREVISTA



- Então eu vou cantar-lhe. Já apanhei este tempo em que a mobilidade no emprego substituiu o aconchego do emprego para toda a vida. Daí que já tenha sido…, durante uns duros seis meses o fui; fiz uma campanha de nove meses na…; trabalhei como vendedor numa empresa de… Aqui, digo-o, não me dei absolutamente nada bem. Muito pelo contrário!... Estive lá ano e meio. Fui ainda, durante um ano, funcionário numa empresa de… Ah!, já me esquecia, servi durante dezoito meses nas… E, modéstia à parte, era bom naquilo.
- Então, com excepção daqueles tempos nas vendas, pode dizer-se que se deu sempre muito bem nos empregos por onde passou… Não é verdade?
- Sim, dos outros gostei imenso!
- Mas… tão curta estada em cada um!!
- É que, sabe?, eu dei-me bem, os patrões é que nem por isso, muito embora todos me tenham dito, na hora do pontapé-no-rabo, que eu até era um bom rapaz. E eu sou de facto um bom rapaz, pr’ás calendas as falsas modéstias! Por isso desde já o informo que, em boa verdade, sou bom, muito bom mesmo… um verdadeiro especialista, mas só numa coisa – passe a redundância, que especialistas a sério só os vemos numa coisa
- Diga, diga!
- Refiro-me ao lançamento de redes. Aí é que eu sou mesmo bom, palavra!
- Oh homem, mas então por que veio até aqui?! Não seria melhor dedicar-se à pesca?!... O peixe está tão caro!
- Pois, o problema é que apesar de ser um ás a lançá-las, sempre fui uma nódoa a recolhe-las!
- Ah!!!... Oh raio!!!!!




Carlos Jesus Gil