quarta-feira, 7 de abril de 2010

A caca quentinha de pombo

A CACA QUENTINHA DO POMBO







Tarde de Inverno, daqueles à antigamente, rigoroso até mais não, em plena baixa coimbrã, enquanto namorava um par de botas que presunçosamente posava elegantemente repostado numa paradoxal, porque proibitiva mas apelativa, majestática montra, na orla de um denso e habitual bulício, um pombo caga-me na cabeça. Quentinho, humm!... Não sabia se havia de limpar o cabelo de imediato, se prolongar o aquecimento periférico por mais um bocadinho… humm! E mais, é que me lembrei que sempre me disseram que merda de galinha faz bem ao cabelo. Ora se a de galinha faz, a de pombo não lhe deve ficar atrás. Alias, deve ser princípio activo comum a qualquer ave. Lembraram-se de dizer galinha, porque está sempre mais à mão, e pronto. De modo que estava naquele dilema: deixo ficar?, limpo? Este quentinho, uma ampola de produto afamado contra a queda de cabelo… isto é um verdadeiro dois em um… e à borla!
Por aquela altura já me apercebera das risadas dos transeuntes, das dos artistas de rua, dos pedintes, dos logistas, dos empregados de escritórios de um prédio em frente, enfim, até as pombas do beiral estavam por certo a rejubilar com o sucedido. Ainda olhei para cima a ver se distinguia, por entre a zombaria pegada, uma caçoada mais genuína – ia ter canja pela certa! -, mas não, o bando, como que não sentindo já novidade no sucedido – se bem que eu acredite que isto não é coisa de todos os dias… se calhar é táctica das manhosas aves, toda aquela discrição -, apresentava uma serenidade de Dalai Lama. Assim, e para que o espectáculo grátis às damas, aos cavalheiros e a menores de todas as idades não continuasse, resolvo puxar, e puxo!, de uns lenços de papel e, rindo também - qual brilhante mestre na arte de representar! -, que nem um tolinho, começo a limpar a bosta do passarinho.
Não demorou muito a dar-me conta de que o ganho de dois se transformara rapidamente numa efectiva perda de três… ei! são outros três, nada de confusões, que ainda sou virgem. Pois em verdade vos digo que não só arrefeci o couro cabeludo, como o meu cabelo ficou privado do precioso adubo, como ainda fui presenteado com mais vigorosa e, diga-se, genuína zombaria.
Bem, moral da história: tudo tem uma razão de ser. Como tudo, teve um fim aquele bizarro incidente, sentido e sofrido como qualquer outro daqueles carago, isto só me acontece a mim!, o qual acabou por ser o meu amparo, bastantes meses mais tarde, numa tarde de aflitivo desespero. Já a entrar em parafuso, eis que me lembro do caricato caso… ri, ri de gosto, ri até me chamarem tolinho; ri durante mais de meia hora, e esse riso genuíno foi o princípio activo, medicamento de marca que me fez ver, para além da vereda sinuosa em que me encontrava, uma magnífica e convidativa alameda das possibilidades.... Entrei!




Carlos Jesus Gil