quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O PAPEL DOS EUCALIPTOS



Um chão de relva mal aparada – bem, talvez seja um eufemismo chamar-lhe relva, mas vegetal era com toda a certeza – constituía o palco. A boca de cena, embora parecesse enorme, não mais tinha que uns escassos metros, uma meia dúzia, quando muito. Ao fundo, um oceano de pinheiros bravos, neste tempo bravos pinheiros. Se não soubéssemos da quase redondez da terra e que o horizonte é enganador, diria que o mundo físico termina em pinheiros, bravos pinheiros.
            À hora estipulada o espectáculo tem início. Uma oliveira e duas azinheiras com notória aparência de desidratação, mesmo para quem tem muito de xerofilia, entram em palco. Dirigem-se de imediato para o fundo deste, como que procurando a proteção dos bravíssimos pinheiros. Um tudo-nada mais tarde entram em cena um eucalipto, mais outro eucalipto e, pasmemos!, ainda outro eucalipto. Todos eles suculentos e bastante enérgicos. Todos eles ligeiramente diferentes uns dos outros. Os genomas, dava para entender, não seriam absolutamente iguais Eram, todavia, idênticos; eram todos eucalyptus.
            A contracenação tinha pleno início. O espectáculo era composto por uma série desusada de actos, mais que seis, já não lembro bem quantos eram ao certo, mas eram mais que meia dúzia. Havia uma outra particularidade, é que o último acto era deixado em aberto, ou seja, à guisa de telenovela brasileira, o final da peça teria de, forçosamente, ir ao encontro do que, depois de perguntados, a maioria dos espetadores escolheria – democraticamente e de braço no ar.
            Assistimos aos actos todos, quer dizer, alguns foram saindo como que enfastiados, mas a maioria, diga-se, assistiu aos actos todos com devoção e indignação. Eu, e falo por mim, vivo as coisas… no cinema é a mesma coisa. Às vezes dou por mim a trincar a língua e de punho em riste virado ao vilão da fita. A sorte é que nunca vou sozinho, senão era um embaraço do caraças. Bem, nos intervalos, que foram bastantes, ia-me preocupando com o desenlace de todo aquele enredo. É que os eucaliptos, óptimos, justiça seja feita, para o papel em que fora escrito o seu próprio papel, não cansavam de desancar nas coitadas, isso mesmo, coitadas, da oliveira e das azinheiras. No acto que precedeu a votação do público, a tal que decidiria o último acto, de tanto serem sugadas já quase não se tinham de pé oliveira e azinheiras. Causava dó, indignação, revolta!
            Estóico eu me considero, mas, pessoal, há um limite para tudo… ou quase tudo. Durante este último intervalo, muito resumidamente escrevi aquilo que, independentemente do final que fosse escolhido, a meu ver aconteceria às três xerófilas. Pedi a um segurança o enorme favor de entregar o papelinho ao encenador – segundo ele, um coletivo de entidades “desconhecidas” -, e vim embora.
            … Um tanto mais tarde, recorrendo, com dificuldade já esperada, a uma biblioteca pública, vi que, infelizmente, como escrevera, a peça terminou com os eucaliptos a crescerem a olhos vistos – como estamos em matéria de efeitos especiais!!! - , enquanto oliveira e azinheiras sobreviviam acanhadas, quase só fazendo sombra, tímida sombra, elas próprias uma sombra do que outrora foram.