segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A PRENDA




            Eram cerca de sete e meia da tarde do dia vinte e quatro de Dezembro de um ano não austero, normal em termos da hierarquia de assimetrias sociais. O incidente tivera lugar numa movimentada baixa de uma cosmopolita cidade do hemisfério Norte.
            Fulano Tal, depois de uma fatigante jornada, prolixa em papelada e telefonemas, copiosa em chatices, decreta: “ Basta, nem mais um segundo! “. Despede-se de patrão, colegas e colegas amigos, dizendo, enquanto apressadamente se dirigia ao labirinto que o haveria de conduzir ao elevador, já de sobretudo vestido e pasta na mão: “ Tenho que ir fazer as compras de Natal, é mais que tempo! “ Em casa esperava-o a esposa, um filho, os pais, os sogros, dois cunhados, e uma irmã com dois filhos… Prendas para muita gente, um problema… e não era o dinheiro que o preocupava.
            O escritório era em plena baixa, de modo que resolveu deslocar-se a pé e pôr de imediato mãos à obra. Entra numa loja de perfumes, apinhada, e agoniza um degrau mais. Não sai, porém, sem aquilo ao que veio, pois tem consciência que àquela hora melhores circunstâncias não encontraria. Ao cabo de uns minutos largos, “ Boa noite, precisa de ajuda? “, acenou que sim… Com o apoio sempre deferente de uma beldade bem cheirosa, compra perfumes para as mulheres do sangue e do afecto. Mais um tanto, tormento mesmo, a embrulhar e “laçar”, e pronto, pronto para outra dose. Acolhe-o uma sensação apaziguadora, afinal boa parte das compras, quiçá a mais difícil, já estava resolvida.
            Rua com ele, a caminho do centro comercial mais próximo, por sinal no mesmo quarteirão em que se encontrava, afinal ali poderia fornecer-se de toda a mercadoria. Saco de plástico numa mão, pasta na outra, e aí vai ele em passo de corrida, pois muito embora mais calmo, o atraso era significativo. Todos ansiosamente esperavam por si em casa. “ Olhe, se faz favor!... se faz favor! “, olhou para traz e viu o que lhe pareceu ser um velho andrajoso a correr no seu encalço. Velho não era, andrajoso com toda a certeza. A princípio nem confiança lhe dera, mas como o andrajoso insistisse, “ Por favor, ó senhor, ó senhor! “, Fulano Tal consente, embora sem parar, comunicação. “ O que é que o senhor quer, vou com pressa, não posso parar! “, “ Por favor, ó senhor, só quero conversar. “, ainda sem parar, “ Mas quer conversar o quê? “, “ Quero conversar um pouco com alguém, seja sobre o que for… “, agora já os dois parados e próximos um do outro, o esfarrapado continua “ Não comi mas não tenho fome, não bebi mas não tenho sede, tenho é uma necessidade ardente de conversar com alguém, e seja sobre o que for. Seria a minha melhor prenda de Natal!”...
            Teve prenda.