sábado, 8 de setembro de 2007

Parábola

PARÁBOLA


O LÁPIS E A BORRACHA


Moravam no mesmo estojo, um lápis todo janota e uma borracha toda borracho. Ambos executavam com brio as suas funções: se o lápis escrevia – não fosse, ou mesmo fosse, o que devia -, lá vinha a borracha, esbelta, esguia, e tudo, tudo de algo delia.
Duro coração, o daquela borracha. Como enganava aquela textura macia!; coitado do lápis, incansável e abnegado trabalhador, amigo de verdade, um indefectível! Esferográficas, marcadores, afiadeira, tubo de cola, caneta correctora, lápis de outras raças, até a própria borracha, todos podiam contar com ele. Aliás, todos os coabitantes daquele estojo eram família. Bem, não o foram sempre, mas tornaram-se. Uma verdadeira Pensão Familiar, aquele estojo.
De facto desconheciam-se por ali querelas, graves aborrecimentos. Talvez as esferográficas tivessem alguma razão de queixa da caneta correctora…, nada, contudo, de muito exasperante. O corrector nunca fora tão rude, é verdade que, volta-e-meia, toldava a lavra da esferográfica, mas a coisa era feita com alguma delicadeza e mesmo serenidade.
Com a borracha a atitude era outra, com ela era tudo à bruta!... De maneira que o bom do lápis andava desgostoso, mesmo deprimido com o desdém com que era tratado pela vizinha. E diminuído que estava! Bem, é certo que todos os lápis em função decrescem com a idade, mas com aquele era demais, tantas, em tão pouco tempo, foram as vezes que visitara o aguço. O mais terrível de tudo era a consciência do pouco que tinha produzido, pois tanto fora devastado.
Estava, pois, na hora de uma conversa de macho para fêmea (de ser para ser, que não era dessas coisas, o lápis); ser borracha é tanto como ser lápis, uma não é mais que outro!, pensam os justos.
- Por que me tratas assim, vizinha?
- Assim como, rapaz?
- Assim, tão friamente, despeitando-me com assaz constância, derrubando tanto do que ergo.
- Está na minha natureza, lápis, não é por mal, crê!
- Mas não podias, ao menos, não passar por cima de algumas coisas? Às vezes até voltam ao mesmo, coisas que apagas!
- Não, é instintivo, já te disse que é a minha natureza. Repara, tu também tens a tua natureza, a qual, por sua vez, também há-de, de quando em quando, ferir o prestável papel. Não com a pressão que exerces sobre ele, mas com a substância de algumas das marcas que lá deixas. E olha que há papel bastante nobre, que não merece certas coisas!...
- Pronto, já vi que não mudas. Olha como já estou tão pequenino!
- Lápis, sinceramente… não te julgava tão piegas! Eu também estou bem mais pequena, de cada vez que apago a tua lavra também eu perco físico. Mas quem te julgas tu afinal?, o desditoso mártir do estojo?!
Posto isto, ao bondoso do lápis não resta senão a resignação: uma vida implacavelmente a correr para o fim, ao ritmo frenético das inexoráveis apagadelas!... – Deixa lá, está na nossa natureza!

Carlos Jesus Gil

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Tu, quem és?

TU, QUEM ÉS?


Quem és tu, que volta-e-meia lembras que tudo em ti é teu? Não és, acredito, essa que eu vejo, apenas a tens!
… Mas, se a essência é o ser, e não o ter, porque sofres tanto por ele; porque te vendes tantas vezes; porque insinuas, não raro, mudança de figura?... se és sempre a mesma!... Será para mostrares quem és?




Carlos Jesus Gil

Discriminação

DISCRIMINAÇÃO


Ó iníqua oxidação discriminatória!
Ó iníquos trilhos – para alguns – sinuosos,
demasiado sinuosos!
Serás, mulher feita com o relógio,
também assim na atitude?




Carlos Jesus Gil

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

T' ás com quantos...?

T’ÁS COM QUANTOS…?


Dois amigos não se vêem há mais de dez anos; um Sporting/Benfica proporciona-lhes o inopinado reencontro:

- Não acredito, olha quem eu aqui venho encontrar! T’ás porreiro Manel?
- Oh, oh! Olha o Joaquim, como é que vai isso, pá? Há quanto tempo…!
- É pá vai bem, dá cá um abraço (iam partindo uma costela um ao outro). Mas e tu, pá, como vais?
- Na maior, Quim, felizmente as coisas correm bem.
- Então, vens ver o teu Benfica perder?, eh, eh,…
- Quinzito, Liedson resolve!..., às vezes.
- Mas, é pá, tu t’ás na mesma! Os anos não passam por ti.
- Tu também t’ás igual, pá.
- Oh, oh, t’ou pois, já cá cantam 52.
- 52?!...
- Pois, sou mais velho do que tu, não te esqueças.
- Eu sei, eu sei.
- Davas-me menos, era?
- É pá dava, dava-te menos…………… um quarto de hora!

Cada um para a sua claque; nunca mais se falaram.




Carlos Jesus Gil

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Atmosferas

ATMOSFERAS


Não leves a mal
por, não raro, gerar vendaval…
É vento de momento,
passageiro como o tempo,
mal começa – em noite ou dia -,
já espreita a calmaria.




Carlos Jesus Gil

Caridade

CARIDADE


Mesmo uma sociedade plenamente justa (o pleno na Justiça é, penso, pura utopia) não prescinde da caridade.
Caridade é dar dinheiro, pão, roupa, sim, é tudo isso mas muito mais: é visitar quem necessita de visitas; é saciar de companhia quem dela carece; é fazer sorrir quem não vê razões para isso; é tantas outras coisas que, como estas, nunca existem em suficiência…, por mais justa que uma sociedade seja.




Carlos Jesus Gil

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Economia à portuguesa

ECONOMIA À PORTUGUESA


Bem sei que, como tantas outras coisas, a Economia é cíclica, vivendo obrigatoriamente várias fases que ressuscitam. Aliás, são-lhe vitais os ciclos.
Porém a nossa… a nossa só admite dois estados (antagónicos, embora não muito), é maníaco-depressiva, é bipolar.


Carlos Jesus Gil

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Efémero

EFÉMERO


O presente é tão efémero que chego a pensar que não existe!




Carlos Jesus Gil

Passou-se há já algum tempo

CLIMA MEDITERRÂNICO COM MANIAS


Há uns anos escrevi assim:

O sol por vezes acorda tarde. Talvez em resultado de noites agitadas… Pior é quando nem dá acordo de si durante largos períodos – tal não é a bebedeira!...Os Invernos são propícios a hélio-bebedeiras, tantos são os dias em que se encontra de ressaca!


Hoje escrevo assim:

Publicitem a instituição, por mais oneroso que seja, publicitem-na!
São eficientes, os tipos; terapia milagrosa!... Transformaram um absentista militante num fanático trabalhador. É obra!...
Há poucos anos dizia-se (aliás, hoje ainda se exclama): “bom tempo, hum…solinho!” (sol sóbrio).
Mas eu digo: ontem, seis de Setembro de dois mil e cinco, houve bom tempo. O sol, ressacado, não apareceu e as gotas de água das nuvens, embora ainda com pequeno peso, caíram, timidamente, mas caíram. Promessa de melhores dias para a vida no seu todo.
Sol sóbrio = bom tempo? Sim, mas só se apanhar uma chiba de vez em quando!
Este nosso clima, temperado mas pouco…, caminha a passos largos para a esquizomania!
Culpados? Os ciclos naturais, com certeza, mas também a ausência de afectividade a que foi votado… o Planeta.




Carlos Jesus Gil