sábado, 28 de novembro de 2009

Carta

CARTA

Terra
25/11/2009



Desejada Laura:
Aqui o rapaz, já cheio de saudades de te sentir por inteiro, resolveu hoje, assim dum momento p’ró outro e a horas bem tardias e já bem entradito nos copitos, fazer aquilo que nunca fez: escrever uma carta de amor… ok, tá bem!, uma carta de desejo. Nunca o fiz a ti nem a qualquer outra. Nunca fui dado a essas coisas das cartas, até porque os bilhetes postais, ilustrados ou não, cumprem o mesmo dever com muito menos trabalho, admitamos… E depois as coisas são como são, não é, linda?, temos os telemóveis… e se a saudade... ok, o desejo, aperta mesmo, temos o pópó e fazemo-nos à estrada. Se ainda fosse naquele tempo dos aerogramas… Sim, é que os aerogramas encerravam qualquer coisa de mágico… às vezes de trágico! Olha, lê aquele livro do Lobo Antunes, aquele com um título assim todo p’ró intelectualoide, de capa dura, que andei a ler há uns tempos. Lembras-te? Houve uma vez, quando fomos acampar, que é como quem diz, pois ficámos num bungalow, p’ró Minho, e tu querias música mas eu preferi leitura. Lembras-te que me deste na cabeça com o livro que estava a ler, e que eu caí logo cama abaixo? Tu até que nem bateste com força, mas o livro é que era assim a modos que pesadote. Já estás a ver qual era o livro? Estiveste um tempão com ele na mão a praguejar contra a editora e a esconjurar o autor. Já te lembras? Pois, é esse. Morzito, a esse tipo de cartas eu até acho piada. A começar pelo papel; e depois pela razão… verdadeiramente válida!
Bem, mas hoje, ainda que seja a teclar e não a esferografar, estou a escrever uma carta… a ti, bela digna de tela! E faço-o pelo que supra se pode depreender, mas também porque não quero que, se as coisas um dia mudarem, pois, se os sentires de ambos tiverem um dia por destinatárias outras anatomias, não quero, dizia, que fiques sem algo documental bem guardado no forro de uma das gavetas da atávica cómoda que teimas em manter, algo aonde poderás dirigir-te de quando em quando, pode ser todos os dias, vá!, contemplar os bons velhos tempos e retemperar o ânimo. Daí que, ao perguntar-te como estás, se tens saudades minhas, como tem corrido a quinzena - considera formuladas as questões! -, te peça que, também em papel, à máquina, a computador, a lápis ou a esferográfica me respondas, tá? Eu pago o envelope de correio azul… De correio azul não, isso é muito moderno. Vou expedir esta em correio normal, e tu faz o mesmo por favor. É menos banal. Pago-te o envelope e o selo, tá? E ainda te levo a um aconchegozinho no meu colo no vaivém do balancé do parque infantil aí da terra, como tu tanto gostas. Sim, à hora em que há mais pessoal, sei… dá-te mais gozo!
Morzito, por hoje é tudo. Dá cumprimentos aí à malta, e de mim aquela ementa à Tromba Rija.
Resposta rápida e sentida, aguardo.
Bj oceânico do teu mais-que-tudo




Carlos Jesus Gil

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Se calhar vou processá-los

SE CALHAR VOU PROCESSÁ-LOS

Vinha eu, há bocado, descansadinho no meu carro a ouvir rádio, sim, à espera do relato de Porto/Chelsea, quando, após um curtíssimo separador musical, irrompe carro dentro um marzão de publicidade. Num dos anúncios, a uma daquelas multinacionais que no que a electrodomésticos e material electrónico diz respeito vendem de tudo um pouco, o locutor/actor apregoava que durante uns dias – bem, não era exactamente por estas palavras mas a essência está cá – a empresa devolve aos clientes, no acto do pagamento, o valor do IVA. E depois acrescenta o alegado comprador habitué, assim à guisa de vaidosão, que na primeira oportunidade aí vai ele… à dita cuja, pois, que parvo é que ele não é!
Então, mês senhores?! Eu acredito na bondade dos vossos preços e das vossas promoções, palavra!... Possivelmente até passarei a ser vosso cliente, não aceito é que dêem roda de parvo se o não for.
Eh pá, pessoal, se calhar vou processá-los… Ou não!




Carlos Jesus Gil

domingo, 22 de novembro de 2009

Saramago e a Bíblia

SARAMAGO E A BÍBLIA


Agora, que a poeira tombou:




Sou um indefectível de Saramago, proclamo! Não sou, porém, um submisso seguidor, um prosélito militante. Aprendi que os gurus também desiludem. Não é de agora, este meu saber. Daí a crítica prévia a tudo, venha d’onde vier.
Caro pensador – a vós ora me dirijo, enorme mestre -, mesmo fazendo da leitura do Grande livro, da Grande Colectânea uma interpretação directa, literal, não vi ainda em que parte dos Génesis se pode ler ou depreender que Deus descansou a partir do sétimo dia… Posso, disso me dei conta, ler e deduzir que o Supremo Arquitecto do Universo – era por esta designação que meu avô paterno sempre O invocava – descansou ao sétimo dia. Bem diferente, não?
O que fez Ele desde aí? Com precisão, não sei. Acredito que se ocupe da incomensurável tarefa que é a gestão da Obra. Claro, trata-se apenas e tão só de um acreditar!
Continuando a estimá-lo como a poucos, mestre Saramago, imploro-lhe reflexão ainda mais cuidada acerca do Tema.




Carlos Jesus Gil