Um chão de
relva mal aparada – bem, talvez seja um eufemismo chamar-lhe relva, mas vegetal
era com toda a certeza – constituía o palco. A boca de cena, embora parecesse
enorme, não mais tinha que uns escassos metros, uma meia dúzia, quando muito.
Ao fundo, um oceano de pinheiros bravos, neste tempo bravos pinheiros. Se não
soubéssemos da quase redondez da terra e que o horizonte é enganador, diria que
o mundo físico termina em pinheiros, bravos pinheiros.
À
hora estipulada o espectáculo tem início. Uma oliveira e duas azinheiras com
notória aparência de desidratação, mesmo para quem tem muito de xerofilia,
entram em palco. Dirigem-se de imediato para o fundo deste, como que procurando
a proteção dos bravíssimos pinheiros. Um tudo-nada mais tarde entram em cena um
eucalipto, mais outro eucalipto e, pasmemos!, ainda outro eucalipto. Todos eles
suculentos e bastante enérgicos. Todos eles ligeiramente diferentes uns dos
outros. Os genomas, dava para entender, não seriam absolutamente iguais Eram,
todavia, idênticos; eram todos eucalyptus.
A
contracenação tinha pleno início. O
espectáculo era composto por uma série desusada de actos, mais que seis, já não
lembro bem quantos eram ao certo, mas eram mais que meia dúzia. Havia uma outra
particularidade, é que o último acto era deixado em aberto, ou seja, à guisa de
telenovela brasileira, o final da peça teria de, forçosamente, ir ao encontro
do que, depois de perguntados, a maioria dos espetadores escolheria –
democraticamente e de braço no ar.
Assistimos
aos actos todos, quer dizer, alguns foram saindo como que enfastiados, mas a
maioria, diga-se, assistiu aos actos todos com devoção e indignação. Eu, e falo
por mim, vivo as coisas… no cinema é a mesma coisa. Às vezes dou por mim a
trincar a língua e de punho em riste virado ao vilão da fita. A sorte é que
nunca vou sozinho, senão era um embaraço do caraças. Bem, nos intervalos, que
foram bastantes, ia-me preocupando com o desenlace de todo aquele enredo. É que
os eucaliptos, óptimos, justiça seja feita, para o papel em que fora escrito o
seu próprio papel, não cansavam de desancar nas coitadas, isso mesmo, coitadas,
da oliveira e das azinheiras. No acto que precedeu a votação do público, a tal
que decidiria o último acto, de tanto serem sugadas já quase não se tinham de
pé oliveira e azinheiras. Causava dó, indignação, revolta!
Estóico
eu me considero, mas, pessoal, há um limite para tudo… ou quase tudo. Durante
este último intervalo, muito resumidamente escrevi aquilo que,
independentemente do final que fosse escolhido, a meu ver aconteceria às três
xerófilas. Pedi a um segurança o enorme favor de entregar o papelinho ao
encenador – segundo ele, um coletivo de entidades “desconhecidas” -, e vim
embora.
…
Um tanto mais tarde, recorrendo, com dificuldade já esperada, a uma biblioteca
pública, vi que, infelizmente, como escrevera, a peça terminou com os
eucaliptos a crescerem a olhos vistos – como estamos em matéria de efeitos
especiais!!! - , enquanto oliveira e azinheiras sobreviviam acanhadas, quase só
fazendo sombra, tímida sombra, elas próprias uma sombra do que outrora foram.
4 comentários:
Os eucaliptos secam tudo em seu redor e... no meio da relva...
Nestes espectáculos quase, quase que tocamos, vimos, respiramos e sonhamos com a realidade.
Parece-me que os anões existiram e tornaram a vida difícil, naquele reino e daí a dificuldade de árvores nobres sobreviverem...
Uma boa semana.
Exportamos muito papel e isso é bom? As coisas têm de ser q.b.. Porque as consequências de mais eucaliptos, para além de mais fogos, são a desertificação dos solos, envenenamento das albufeiras com as cinzas, diminuindo cada vez mais a qualidade da água potável. Uma terra sem minerais por décadas ou séculos... E terreno onde esteve eucalipto, só nasce eucalipto. Nem precisa de se plantar. Mas arrancá-los custará milhões.
Todos sabemos qual é a espécie florestal mais rentável: o eucalipto. Quem quer esperar 80 anos por um sobreiro, ou 50 para vender madeira de carvalhos ou nogueiras? E no entanto, estas são as espécies que garantem a biodiversidade portuguesa, a fertilidade dos solos, uma boa gestão dos recursos hídricos e mais resistência ao avanço do fogo.
A campanha do trigo de Salazar, no Alentejo, foi um êxito social e económico na altura. Hoje, nas terras usadas para a autossuficiência salazarista, resta pouco. O trigo plantado pelo ditador visionário em solo sem capacidade para o produzir provocou uma ferida na terra que vai demorar sete mil anos a regenerar.
Um parêntesis: sabem quanto custa o combate aos incêndios por hectare? 25 euros. Este ano arderam 110 mil hectares, área duas vezes e meia maior do que a do ano passado. Combates pagos por todos nós. Qual a solução? Carros, bombeiros, aviões, helicópteros... Falso: é a floresta, estúpidos!
Nota: Falso: é a floresta, estúpidos! Estou-me a referir à Proposta de Lei de Cristas e Campelo, que permite aos proprietários de terrenos com menos de cinco hectares mudar de espécie florestal sem qualquer tipo de autorização.
Com esta medida, o CDS dá mais um salto no tempo: passa do "Partido da Lavoura" para o partido do "petróleo verde" inaugurado pelos governos Cavaco (lembram-se da GNR a bater em populares em 1988 em Valpaços, por estes serem contra a eucaliptização?). O rasto de miséria e devastação do território desta Proposta de Lei do Governo será, a prazo, ainda mais nociva que a dívida, os défices e a troika, juntos.
Segundo nova legislação que o governo apresenta agora, inédita na Europa,Volta-se à regra do deferimento tácito, um convite descarado à corrupção sem rasto.
É necessário continuar a alertar o "povinho" para as atrocidades feitas em nome da ignorância que acontecem no nosso país
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