quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Ping Pong e outras Coisas



O polivalente da escola, uma secundária da académica Coimbra, era palco de um vaivém ininterrupto de jovens sem tempo - foi o que pensei na hora, não agora que refleti com tempo -, tal não era a pressa de chegar sei lá onde, talvez, quem sabe?, ao sítio de onde nunca saíram.

Era hora de almoço, este não furtava grande tempo aos destinatários, até porque uma boa parte das refeições era servida no bar, no balcão das sandes e dos sumos, de modo que, assim, aquele pátio interior, naquela tarde de chuva, como noutras em horas destas e a rua a não convidar, encontrava-se à pinha. Ouvia-se uma musiquinha nos altifalantes do equipamento, música pop-rock, para gregos e troianos, assim não há problemas. Às vezes, algum aluno mais ousado, por exemplo um gótico assumido, lá metia algo que enojava muitos e deliciava alguns, o seu clube restrito, com palavra, santo e senha. Como qualquer culto, pelos seus adorado, pelos outros abominado. Metal, trash metal, hard rock, também por lá passavam. Até jazz, vejam lá... putos a gostarem de jazz! Mas, calma, o pacífico pop-rock era hegemónico. De quando em quando, a vez dos outros. Havia como que um contrato tácito, no que respeita à música ambiente – não ao som ambiente, que esse era uma mistela de muitas coisas, coisas de gente e coisas de coisas (como é bela e útil esta palavra tão polissémica! O Mário Zambujal bem que tem razão), ruídos, por assim dizer. O certo é que nunca presenciei rixa alguma por causa de um ou outro ouvido mais azucrinado por esta ou aquela música que o outro meteu no leitor. A indignação, que a havia, era contida pelo respeito. É, a malta também possui esta ferramenta, se por vezes não a usa é mesmo porque não quer. E isto pode ser lamentável ou não. Quer dizer, é, é sempre, estava aqui a pensar na irreverência, mas esta quando justificada e pura nunca é falta de respeito. Concordam? Vocês também o serão, não? Eu sou-o, eu cá sou irreverente e sempre fiz por sê-lo. Houve até alturas em que uma coisa – Estão a ver? Bendito vocábulo! – a que chamam bom-senso me tentou impedir de me insurgir contra a verdade de outros, e eu, logo todo abespinhado comigo mesmo me disse: “Estás tolo ou quê pá? Pior, és covardolas agora, és? “. Foi logo, rajada de argumentos e chuva de ações atacantes, que a melhor defesa sempre foi o ataque.

Bem, era um vaivém de gente para um lado e para o outro, de todos e para todos os lados; as cadeiras todas ocupadas; o palco da sala também repleto, os parapeitos das largas janelas eram assento de casalinhos assolapadamente apaixonados, para toda a vida de uma semana, que para a outra, as outras, existirão outros assentos, outras janelas, como sempre acontece. O é só a ti e a mais ninguém assume aqui, nestas salas, nestes encostos, uma verdade tão absoluta quanto a que assumirá mais tarde em salas maiores ou menores, e cadeiras com outros tampos. Era um vaivém ininterrupto e um barulho, agora assumo, um barulho ensurdecedor, da música, das palavras, dos gritos, dos risos, do arrastar das cadeiras e das mesas, enfim, das coisas todas, era um barulho ensurdecedor e, alheia a tudo em seu redor, alheia de ouvidos e mente, aquela jovem não focava senão o ecrã do seu smartphone. Ora escrevia, ora lia, ora escrevia, ora lia, assim durante, sei lá!, no mínimo uma boa meia hora, que foi mais ou menos quanto eu demorei à porta da Direção, enquanto esperava o diretor, a fim de resolvermos uns imbróglios próprios das coisas das escolas. A diligência foi rápida e eficaz. À saída, e já a preparar-me para ir para uma aula, acerco-me da jovem e, mesmo não a conhecendo de todo, pergunto-lhe: “Posso jogar com vocês“, “ Jogar?! Jogar a quê?”, “Às mensagens, ao ping pong de mensagens.“ Perante a sua estupefacção, não insisto, retiro-me e vou dar a aula. Até porque o tal bom-senso me dizia que não era motivo para uma falta injustificada.