O polivalente da escola, uma secundária da académica Coimbra,
era palco de um vaivém ininterrupto de jovens sem tempo - foi o que pensei na
hora, não agora que refleti com tempo -, tal não era a pressa de chegar sei lá
onde, talvez, quem sabe?, ao sítio de onde nunca saíram.
Era hora de almoço, este não furtava
grande tempo aos destinatários, até porque uma boa parte das refeições era
servida no bar, no balcão das sandes e dos sumos, de modo que, assim, aquele
pátio interior, naquela tarde de chuva, como noutras em horas destas e a rua a
não convidar, encontrava-se à pinha. Ouvia-se uma musiquinha nos altifalantes
do equipamento, música pop-rock, para gregos e troianos, assim não há
problemas. Às vezes, algum aluno mais ousado, por exemplo um gótico assumido,
lá metia algo que enojava muitos e deliciava alguns, o seu clube restrito, com
palavra, santo e senha. Como qualquer culto, pelos seus adorado, pelos outros
abominado. Metal, trash metal, hard rock, também por lá passavam. Até jazz,
vejam lá... putos a gostarem de jazz! Mas, calma, o pacífico pop-rock era
hegemónico. De quando em quando, a vez dos outros. Havia como que um contrato
tácito, no que respeita à música ambiente – não ao som ambiente, que esse era
uma mistela de muitas coisas, coisas de gente e coisas de coisas (como é bela e
útil esta palavra tão polissémica! O Mário Zambujal bem que tem razão), ruídos,
por assim dizer. O certo é que nunca presenciei rixa alguma por causa de um ou
outro ouvido mais azucrinado por esta ou aquela música que o outro meteu no
leitor. A indignação, que a havia, era contida pelo respeito. É, a malta também
possui esta ferramenta, se por vezes não a usa é mesmo porque não quer. E isto
pode ser lamentável ou não. Quer dizer, é, é sempre, estava aqui a pensar na
irreverência, mas esta quando justificada e pura nunca é falta de respeito.
Concordam? Vocês também o serão, não? Eu sou-o, eu cá sou irreverente e sempre
fiz por sê-lo. Houve até alturas em que uma coisa – Estão a ver? Bendito vocábulo!
– a que chamam bom-senso me tentou impedir de me insurgir contra a verdade de
outros, e eu, logo todo abespinhado comigo mesmo me disse: “Estás tolo ou quê
pá? Pior, és covardolas agora, és? “. Foi logo, rajada de argumentos e chuva de
ações atacantes, que a melhor defesa sempre foi o ataque.
Bem, era um vaivém de gente para um
lado e para o outro, de todos e para todos os lados; as cadeiras todas ocupadas;
o palco da sala também repleto, os parapeitos das largas janelas eram assento
de casalinhos assolapadamente apaixonados, para toda a vida de uma semana, que
para a outra, as outras, existirão outros assentos, outras janelas, como sempre
acontece. O é só a ti e a mais ninguém assume aqui, nestas salas, nestes
encostos, uma verdade tão absoluta quanto a que assumirá mais tarde em salas
maiores ou menores, e cadeiras com outros tampos. Era um vaivém ininterrupto e
um barulho, agora assumo, um barulho ensurdecedor, da música, das palavras, dos
gritos, dos risos, do arrastar das cadeiras e das mesas, enfim, das coisas
todas, era um barulho ensurdecedor e, alheia a tudo em seu redor, alheia de
ouvidos e mente, aquela jovem não focava senão o ecrã do seu smartphone. Ora
escrevia, ora lia, ora escrevia, ora lia, assim durante, sei lá!, no mínimo uma
boa meia hora, que foi mais ou menos quanto eu demorei à porta da Direção,
enquanto esperava o diretor, a fim de resolvermos uns imbróglios próprios das
coisas das escolas. A diligência foi rápida e eficaz. À saída, e já a
preparar-me para ir para uma aula, acerco-me da jovem e, mesmo não a conhecendo
de todo, pergunto-lhe: “Posso jogar com vocês“, “ Jogar?! Jogar a quê?”, “Às
mensagens, ao ping pong de mensagens.“ Perante a sua estupefacção, não insisto,
retiro-me e vou dar a aula. Até porque o tal bom-senso me dizia que não era
motivo para uma falta injustificada.